Wednesday, September 08, 2004

talvez tenhas morrido dentro de mim
para além da morte que te comeu.
tivemos sorte:
tu porque morreste com uma culpa menor,
culpa que o tempo e a cama esmoreceram;
eu porque já não te conseguia matar muitas mais vezes
no desejo intemporal de te fazer comer a carne que em tempo idos nos obrigavas a comer.

o teu sexo é uma doença maior...
as tuas palavras por de trás do corpo
são gritos hediondos...matagais de cardos em nossos corpos.

por isso te condenei:
morreste pela morte que te comeu,
sofreste pela vida que te engoliu,
penaste pelo vómito que em mim ficou.

a casa estava cheia de mulheres presas
em seus cordões umbilicais...
suas vozes repercutiam no cosmos espacial da casa,
casa com vozes de mulheres,
mulheres libertas em seus cordões umbilicais.

mulheres nuas pela casa,
dentro de água como raias,
mulheres nuas pelos espelhos,
no reflexo da luminosidade.

e depois havia os pratos que se apinhavam sujos,
e as carcaças com manteiga que se comiam pela boca dos olhos,
e uma melancolia soberba que ocupava o pensamento das mulheres.

depois de foma compassada havia o sangue crescendo,
sangue dentro das mulheres,
sangue podre escorrendo pelas vaginas voadoras das mulheres,
sangue mágico, sangue lunar.

e pela boca das mulheres saíam borborletas com asas perfuradas,
borboletas sacramentais e viscerais,
borboletas nocturnas borboletas oníricas.
borboletas em canto.

e pelo canto e pela morte as mulheres rejuveneciam na sua concha maternal,
concha hermeticamente encerrada pelo espaço das mulheres.
conchas marsupiais onde as mulheres pelo sangue da mãe
crescem pela mãe adentro.
mãe rejuvenecida pela juventude carnal das mulheres,
mãe mumificada pelo ácido salivar das filhas,

as filhas encerradas na área continental do ventre da mãe,
e a mãe condenada a húmus da terra das filhas.

a casa era uma casa magnífica...casa total,
casa cheia de mulheres sereias,
casa ilumidada pela centelha uterina das mulheres.

casa casa, casa pela casa,
mulher porto, mulher casa.

Monday, September 06, 2004

lembro-me sobretudo dos beijos que não dei...

nefastos ordinários pelo vulgo do amor aqueles que coram
e se fazem de muito apaixonados,
que beijam sem a língua,
que beijam pelo social da boca.
odeio no desejo homicida todos aqueles que se fazem de amor,
e que por ele se conjugam no presente.

eu pela mulher me consumo...
mulher poço de infindável profundidade,
mulher floresta, mulher labirinto.

amo as mulheres pelos lábios maiores e não pelo amor...
pelos lábios conjugo-me em todos os tempos conjuntivos...
revejo todas as minhas fórmulas alqúimicas e
ressurjo-me como pedra filosofal.

o homem pela mulher se faz
e pela mulher amadurece.
mulher árvore de frutos magnãnimes,
frutos de elipses de luz perpétua.
árvore de raízes internas,
árvore autotrófica do amor.
mulher máquina celular...

todo o cosmos se toca pela vulva,
pela vulva se labora o verbo primordial...
pela vulva cresce o beijo.

lembro-me sobretudo dos beijos que não dei...
beijos etéricos nas vulvas masturbatórias do desejo,
desejo circular, desejo porta,
beijo desejo clitoriano.

pela mulher faço-me homem,
pelo desejo faço-me deus.

Thursday, September 02, 2004

na faca cai a veia,
na veia desliza o gume afiado e célere.
gume solitário e isolado,
gume recto sobre a veia dançarina e acrobata,
veia de petróleo, veia de morte,
veia incandescente, veia limbo.

lá fora chovem fenos,
e ao longe ouvem-se os passos e as vozes dos que já não são.
o tempo encobre a alma pois as estrelas morreram
pelo gume da faca.

não acredito em nada e muito menos na verdade:
a verdade é uma tangerina de acido sulfúrico.
a faca corta a verdade pelo gume ou pelo cabo, tanto faz.
o gume é um arquétipo da mente enlouquecida...
arquétipo imaginado e real, fora de mim e do templo astral.

a faca vive por si, a verdade vive pela palavra.

a faca é imaginária na mente e real na veia,
faca que embala,
faca materna...

entre a faca e a veia: um abismo.
abismo de dual convicção, dual experimentação no corte horizontal da veia.
veia resplandente em todos os seus vértices,
veia amante da faca.
faca presa à paixão da veia.

na faca cai a veia, na veia cai o gume...
cai, cai e cai.