Tuesday, August 15, 2006

Na tua mão nasceu aquele pôr de sol,
como se fossem as tuas mais pequenas extremidades
que ditassem o ritmo do cosmos.
Depois foi uma gota que tombou no universo,
um raio de água que flamejou o oceano da vindima.
Eu beijei aquele crepúsculo,
e todas as coisas que se contêm na tua parte oriental.

Coloco-me sobre a mesa.
Aqui e ali um garfo, uma faca,
um copo com muito água,
um prato selvagem.
Coloco-me sobre o prato e diante do prato;
(deste lado vejo-te melhor sobre o reflexo destas coisas,
destas poucas peças que nos perturbam,
que nos ausentam, que nos molestam).
Decido comer um pardal que canta,
como quem come um mundo todo.
Ausento-me do acto.
Paro um pouco.
Afasto-me...
afasto-me da mesa e do corpo,
e do corpo e do prato.

Retenho-me na parte de mim que ficou contida em ti,
e num instante sou um pardal que canta,
ou um canto em forma de pardal.
Olhas-me como quem se olha,
tocas-me e comes-me.
A tua boca sabe-me a mel e a brisa do mar,
como se na tua boca a minha boca te comesse,
e pela tua boca saboreasse todos os teus paladares mais ocultos.

Tenho um braço que toca todos os lados do mundo.
Tenho a minha mão e a tua na sua extremidade;
toco num só gesto os dois lados da cabeça.
Reconheço as mãos que me tocam e te tocam...
Adormeço como os pardais adormecem:
como se o canto aglutinasse o corpo e a alma e o próprio canto.

Sorvo-te por dentro...
Pelo teu umbigo filial espreito ao longe um sol,
o mesmo sol que nasceu na tua mão outrora,
e amanhã também!

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