Monday, August 28, 2006

um caminho...um qualquer caminho.
plátanos gigantes que tocam o céu com suas imensas folhagens.
um ninho de gigantes no baixo do mundo.
no chão uma laranja com seis gomos, um sorriso, e um gato muito branco.
no ar uma lágrima que sobe pelo céu acima.
está sol, é um facto, mas chovem caminhos no caminho.
tenho os pés molhados até ao lado mais interno do coração.
oiço o coaxar de enormes sapos que habitam a minha boca até à garganta.
olho o caminho, o caminho todo, olho-o com os olhos de lince:
momento a momento, passo a passo...

um caminho são muitos caminhos:
o meu, o teu, o dos deuses, do próprio cosmos.
sigo o seu sabor a canela, a especiarias doces e finas.
com a minha língua lambo a terra, sinto-a por baixo da boca,
dilacerando a carne, as papilas, corroendo os dentes.
engulo o caminho enquanto o caminho me engole.
sinto as suas flores carnudas a saírem pelas minhas orelhas,
as suas pedras a carcomerem a alma.
o caminho toma-me em seu colo e embala-me.
sou uma ideia dispersa que se embala ao sabor do caminho.

um caminho leva-nos sempre para um outro lugar de nós.
um caminho faz-se pela dor das pernas.
anda-se o caminho vivendo-o pela dor.
a dor é permanente, a felicidade é passageira.
tudo o resto é caminho e tempo camuflado.

Pego no gato pelo rabo, e dou de comer à laranja,
a lágrima sobe pelo céu e apaga o sol,
um gigante cai do ninho e morre no baixo do mundo,
os plátanos fogem com suas raízes para a parte mais funda do mar.
o caminho é um qualquer caminho.

2 comments:

. said...

Também muito bom, este poema!

Replicante Raquel said...

Os plátanos imensos que vêm deitar raízes fundas dentro de nós!
Muito belo. Luz para os caminhos.