Saturday, August 26, 2006

no outro lado do mundo,
um buraco, uma ruína, uma pobreza.
no ar uma tristeza, um sabor a morte, a calor, a delírio.
eu queria encontrar-te sem saber que te queria encontrar,
como todas as coisas na vida.
eu não te pertencia nas minhas visões,
e tu não me querias como a sede que nos fica na garganta.

depois havia o cabelo e o infinito do olhar,
havia um sorriso no ocaso daquele astro nosso.
lembro-me de um castelo e de um rio, e de uma cidade.
lembro-me das amoras silvestres que me davas e
as papoilas com pétalas de rosa do teu regaço.
lembro-me da tua ausência, e da minha presença na tua ausência.
lembro-me do mar e da areia,
daquele abraço dado ainda no crepúsculo de nós.

eu fui expirando do ser que era,
e criando-me no ser que desejavas.
depois um flamejar dos corações,
um incêndio total dos olhos e das mãos.

depois havia uma casa com um pavio muito aceso
colocada no alto do mundo,
onde nos rendíamos aos corpos e à dor do desejo,
onde festejávamos a vida com o sumo das uvas,
onde cantávamos iolandas e viajantes loucos.
onde a língua tocava nos pés que falavam,
que riam, que declamavam.
havia os lençóis muito floridos que transpiravam,
havia a tinta, as fotografias, e tudo o que nos soube a água.
depois fomos ficando e ficando e voltando a ficar.
fizemos uma morada por cima de uma quinta e de um rio,
onde o fogo rebentava no céu, e a lua tinha sabor a ti.

depois uma flor cresceu pelo o úmbigo da tua barriga,
e com as mãos no céu beijámos todas as partes do ser.
amámos a vida beijando-a pelo colo.

o coração é uma casa imensa,
onde nos guardamos nos outros que se guardam em nós
guardo-te no coração porque a alma tem muitas cabeças,
sobes e desces por mim adentro, tomando o jardim que em mim construí.
o coração é uma casa imensa onde podes pernoitar a vida,
na chama que se acende pelo vento...
também hoje.

1 comment:

. said...

Idem para este poema, grande poeta!