Monday, August 14, 2006

Talvez pela palavra e pelo vento,
pela inacção dos pássaros de morte,
eu tenha nascido numa casa nocturna,
como todas as casas onde possa nascer a noite ou a tarde.

Talvez pelo hálito dos dentes furibundos
Das garras fusiformes de um tigre de porte funesto,
eu tenha nascido numa selva imaculada de flores silvestres
como todos as selvas carnívoras e sedentas de poema.

Eu era um ser sedento como a água das chuvas,
aqui e ali gotículas de resina adocicada formavam-se
em redor dos olhos e da boca.
Eu era um ser nocturno como a lua,
um ser luminoso da escuridão,
um pirilampo,
uma folha caída,
uma brisa inesperada,
eu era a aurora dos dias noctívagos.

Depois cresci como crescem as raízes
como enchem os rios mais sedentos,
como choram as lágrimas dos pastores,
como sucumbem os insectos com a luz homicida.

Cresci até ser do tamanho do mundo,
não do tamanho do mundo enquanto mundo,
mas do mundo mundo,
da pérola pérola
da boca boca
do beijo beijo.

Um dia uma inesperada solidão cresceu por mim acima,
(como outrora cresceram as ortigas a meus pés),
uma solidão fascinante e radiosa,
uma solidão autêntica e laboriosa do coração,
coração com muitos mil braços de polvos lacerantes.
coração aquário,
coração invólucro,
coração vida, coração coisa,
coração coração.

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